ROMEU RÖSSLER TELMA DIRETOR ADMINISTRATIVO
novembro 26, 2018

Uma viagem sustentada pela graça de Deus. Por Paulo Sommer

O relato de uma experiência e de um salvamento milagroso em plena selva amazônica, pelo agrônomo Paulo Sommer

Março de 1966. Eu e minha esposa iniciávamos nossas carreiras como engenheiros agrônomos do INDA, Instituto Nacional do Desenvolvimento Agrário.

Casados há pouco mais de seis anos, já tínhamos dois filhos: Dora, a mais velha, com 6 anos e Paulinho, com pouco mais de três anos.

Meu cargo era de Diretor de Colonização e, por isto, viagens aos confins do Brasil eram corriqueiras, visitando os diversos núcleos de colonização espalhados de norte a sul. Encarar incursões de Jipe para a prática de extensão rural era o “arroz com feijão” do ofício. Viagens em pequenos aviões também não eram novidade. Mas ninguém podia imaginar o que sucederia naquela expedição rumo ao Núcleo Colonial Bernardo Saião, no interior de Goiás.

Naquela segunda-feira, me despedi da família, não fazendo muito alarde da missão em que me meteria com o grande amigo, e então presidente do INDA, Dr. Eudes de Souza Leão Pinto. Tudo indicava que seria apenas uma viagem de supervisão, prevista para durar, no máximo, 2 dias, exceto por uma reação inesperada do pequeno Paulinho, que bradava a plenos pulmões: “o papai vai morrer! Papai não vai voltar mais!” – “mas que absurdo”, protestei, “o que você andaram falando para o menino?”

Pegamos um voo comercial do Rio de Janeiro até Goiânia, onde nos aguardava um bimotor Piper, de propriedade do governo do Estado de Goiás, que nos levaria até Goianésia e, depois, ao nosso destino final. Por causa de uma grande enchente em toda região, viagens de carro estavam descartadas.

As recomendações quanto ao piloto eram as melhores possíveis, o que ficou patente pelo zelo que demonstrou ao realizar todos os procedimentos de segurança em solo. Nunca me senti muito à vontade em aviões pequenos, mas foi bom ouvir que nossas vidas estavam nas mãos de alguém com tantas mil horas de manche. A bordo estávamos eu, Dr. Eudes, o piloto e mais um técnico do INDA. O que aconteceria dali para adiante entrelaçaria nossas histórias para sempre.

A sequência de vermelhos e, por fim, o verde, autorizaram a decolagem. Malmente o avião havia tirado as rodas do chão, uma violenta explosão no motor esquerdo provocou a queda do aparelho que, graças a Deus, estava a pequena altitude, ainda sobre a pista. – “dessa nós escapamos!” exclamou o experiente piloto. Se estivéssemos a maior altitude, certamente as consequências seriam graves.

Naquele instante, me lembrei daquelas últimas frases do Paulinho. Seria isso um aviso prévio para uma fatalidade? O pessoal do governo do estado foi logo suavizando o ocorrido: “temos outro avião novo, pronto para voar!” Transferimos logo a bagagem, mas preferimos marcar a saída para as 7 horas do dia seguinte.

Agora a decolagem foi perfeita; sobrevoamos brevemente a linda cidade de Goiânia e rumamos para Goianésia, onde paramos para reabastecer e, então, esticar mais uma hora de voo até o Núcleo Bernardo Saião.

Tudo parecia perfeito agora: avião abastecido, um piloto experiente, tudo ocorrendo bem, mas, depois de aproximadamente 15 minutos no ar, entramos numa zona de turbulência. Nosso comandante nos tranquilizou: -“sem problemas … isso é normal…”.

Mas o céu foi escurecendo e acabamos dentro de uma tempestade que nos tirou a visibilidade do solo. Raios cortavam os céus e trovões ensurdecedores foram nos deixando assustados. Diante de tamanha fúria da natureza, a aeronave mais parecia uma peteca sendo jogada para todos os lados; a sensação era de que ela não iria suportar por muito tempo.

Voamos sem orientação por algumas horas, o que nos tirou completamente da rota. Já devíamos ter chegado ao nosso destino, mas tudo o que avistávamos era uma densa e infinita floresta. O semblante do nosso piloto já não tinha mais a tranquilidade de antes; o objetivo agora era apenas encontrar um lugar de pouso. Uma margem de rio, talvez, uma estrada ou um campo qualquer. Mas nada se avistava. Como ficamos sabendo mais tarde, havíamos entrado no estado do Pará__Tocantins. Abaixo de nós estava, na verdade, a floresta amazônica.

Nossa esperança de salvamento diminuía a cada minuto à medida que o marcador de combustível se aproximava do vazio. Que sensação terrível. Até ali, não tinha ideia do que é estar em real perigo de vida e pude confirmar, o que outros já haviam dito, que nossa vida passa como um filme em nossa memória. Comecei a imaginar a minha família, tão longe; meus filhos, órfãos de pai, minha amada esposa Maria Ângela, tendo que criá-los sozinha. Tantos planos e projetos para o futuro, simplesmente deixando de ter qualquer importância.

Lá embaixo, o “inferno verde” era implacável, não dava nenhum espaço. Mesmo os rios que avistávamos não tinham qualquer área para aterrissagem. Completamente desorientados, pousar e sair vivos seria como ganhar na loteria. As chances eram mínimas.

Quatro homens agora enfrentavam o ponto final de suas vidas, principalmente quando os motores começaram a falhar. Nosso combustível estava nas últimas gotas. Nosso piloto, então, desabafou: “não há mais o que fazer, vamos descer na mata”. As palavras do meu pequeno caçula agora faziam todo sentido. Era mesmo o fim. As esperanças acabaram.

Só mesmo Deus Onipotente poderia nos salvar, e foi com ele que eu me agarrei: – “Senhor, estamos completamente perdidos, não temos qualquer chance de sobreviver, mas, se por tua graça, sairmos vivos, eu prometo ser um verdadeiro cristão e dedicar a minha vida para servir à humanidade”. Minha sincera oração foi interrompida pelo grito desesperado do piloto: “vamos bater!”

Pela janela então observei os motores parados. Já estávamos quase raspando a copa das árvores. Em uma última tentativa de diminuir a velocidade, nosso piloto puxa o manche, jogando o nariz do avião para cima, conseguindo ganhar alguns metros de altitude, quando o inacreditável aconteceu. Daquela posição derradeira, algo que nos pareceu uma miragem, apareceu à frente: uma tribo de índios, com um roçado amplo o suficiente para pousarmos sem qualquer arranhão! Mesmo sem visibilidade e sem qualquer base de orientação, o Criador havia nos guiado àquele lugar.

Com as pernas trêmulas, e ainda sem entender direito o acontecido, fui o primeiro a descer do avião e colocar os pés no chão firme. Onde será este lugar, quem mora neste fim de mundo? A resposta logo veio, Índios curiosos e espantados com aqueles quatro branquelas que vieram parar no quintal deles dentro daquele pássaro metálico.

D. Eudes foi logo dizendo: – “Paulo, você é protestante, eu sou católico, mas nós vamos juntos à primeira igreja que encontrarmos para agradecer o milagre!” Claro que aceitei o convite, mas ainda precisaríamos de outros milagres para encontrar uma igreja novamente.

Graças a Deus, os Índios foram gentis e nos receberam bem. Logo ofereceram água e uma comida preparada à base de mandioca fermentada. Estávamos gratos por estarmos ali, por estarmos com vida, mas voltar para a civilização e para nossas famílias era outro desafio que necessitava ser vencido.

Uma opção seria construir uma jangada (ou algo parecido) de madeira e tentar descer o rio até encontrar alguma ajuda. Mas quando fomos procurar em nosso avião, descobrimos que não havia qualquer ferramenta, machado, martelo, fósforo ou equivalente, mas encontramos embaixo do banco alguns galões com combustível.

Uma luz se acendeu no final do túnel, mas tínhamos que fazer escolhas e algumas questões precisavam ser ponderadas: Seria possível decolar novamente em um espaço restrito como aquele? E, se decolássemos, com o pouco combustível que tínhamos, conseguiríamos chegar a uma pista de pouso segura?

Nossa escolha foi tentar decolar. Sugeri ao piloto que ele deveria ir sozinho para aliviar o peso da aeronave, mas imediatamente ele respondeu: “Se eu sair daqui sem vocês eu jamais encontrarei novamente este lugar para enviar socorro; ou saimos todos juntos ou nada feito.” Pronto, falou a autoridade, estávamos decididos. Colocamos o combustível no tanque e agora restava manobrar nossa aeronave para o local mais profundo da roça. Decolar entre cupinzeiros e arbustos num espaço tão curto parecia loucura. Mas, nosso experiente piloto resolveu tentar.

Todos a bordo, cintos afivelados, aceleração máxima nos motores com os freios travados. A ideia era conseguir o máximo de embalo em menor espaço possível. Mais uma vez, com fé em Deus, soltamos os freios e saímos acelerando naquela pista improvisada. Nosso super piloto conseguiu não somente decolar mas ainda desviar de uma imensa árvore que, por pouco, não arranca nossa asa direita. Ainda deu para sentir a galhada raspando a fuselagem.

Contra todos os prognósticos, estávamos novamente voando por sobre a mata. O combustível não daria para mais do que 30 minutos de voo. Nossa melhor alternativa seria subir à maior altitude possível para tentar avistar alguma pista de pouso. Foi o que fizemos. A angústia de ver o marcador de combustível deitar novamente sem termos onde pousar, tomou conta de todos nós. Precisaríamos de outra “mãozinha” do Criador.

De repente, o piloto avistou algo na linha do horizonte, um pequeno risco na floresta. – “Parece uma pista de emergência”, disse ele resignado. Era nossa única opção, mas ainda estava longe e nosso combustível acabando novamente. Cada minuto parecia uma eternidade; descer sobre a mata seria fatal.

Os motores novamente começaram a falhar e o avião foi perdendo altitude. Já dava para sentir os cheiros da floresta abaixo de nós. Mais uma vez apelamos para a graça de Deus. Se ele nos atendeu uma vez, não custaria atender mais vez, não é?

A pista estava se aproximando, já era possível vê-la nitidamente, mas os motores pararam. Se fosse possível, creio que abriríamos as janelas para ajudar, mas não foi necessário. Conseguimos aterrissar sem nenhum dano. Era uma pista para pousos de emergência. Novamente descemos, trêmulos, gratos pelo cuidado de Deus sobre nossas vidas.

Logo, o Guarda-campo veio nos receber, admirado por termos descido sem fazer qualquer barulho. Indagamos se ele tinha uma reserva de combustível. – “tenho um tambor quase cheio”, respondeu ele. Nos abraçamos, celebrando a incrível providência divina.

Fomos informados de nossa localização: ___.

Pagamos pelo combustível e perguntamos se havia alguma igreja por perto. Enquanto os outros abasteciam o avião, Dr. Eudes e eu fomos até onde nos havia indicado o Guarda-campo. Encontramos uma simples capela de madeira, mas nosso coração transbordava de alegria. No caminho de volta passamos por mangueiras carregadas de fruto maduro e nos esbaldamos. Com certeza, foram as melhores mangas de nossas vidas.

Avião abastecido, decolamos novamente, determinados a chegar ao nossso destino. Mas surgiram nuvens espessas novamente; raios e trovões à frente. Olhamos uns para os outros e tomamos uma decisão unânime: “Já chega, vamos voltar!” Estabelecemos contato pelo rádio, comunicando nosso retorno. Não conseguimos realizar a visita a São Bernardo Saião, mas voltamos para nossas famílias sãos e salvos.

Quase cinquenta anos se passaram. Deus foi bom comigo; além dos dois filhos, ainda me deu um temporão, o Carlos. Não passa um dia sequer sem que me lembre do cuidado de Deus naquele episódio e, por gratidão, procuro sempre ajudar as pessoas que necessitam.

“Eis que os olhos do Senhor estão sobre os que o temem, sobre os que esperam na sua misericórdia, para livrar-lhes a alma da morte e, no tempo de fome, conservar-lhes a vida.” Salmos 33:18 e 19.